Repleto de referências a designers, modelos, roupas e glamour, O Diabo veste Prada é um livro com um título de arrasar que poderá ser interessante para quem faz parte ou quer fazer parte da indústria da alta-costura.
Ao abordar o mundo das editoras de moda de Manhattan , a escritora apresenta páginas e páginas de aulas de moda, condimentadas com uma pitada de frivolidade, pintando retratos realistas e espirituosos do dia-a-dia desse mundo pouco convencional.
Passado no cenário da alta costura da cidade de Nova Iorque, Weisberger relata-nos a história de Andrea Sachs, uma recém-licenciada, cujo sonho é escrever para o The New Yorker. Após passar algum tempo no estrangeiro com o seu namorado Alex, Andrea contrai disenteria que a faz perder peso, regressando a casa para recuperar.
A perda de peso torna-a a candidata perfeita para trabalhar na revista Runway.
Apesar de Andrea não desejar trabalhar em moda, aceita o emprego de assistente júnior da editora-chefe Miranda Priestly sabendo que, após um ano de serviço na Runway, poderá ter qualquer emprego da cidade.
Antes de se aperceber, Andrea é empurrada para um mundo desconhecido: na revista cada pessoa é mais magra que a outra, todas vestem as roupas mais fashion e mais caras, e Miranda Priestly espera que as suas assistentes trabalhem 14 horas por dia fazendo trabalhos servis como saber se o seu café tem a temperatura correcta e embrulhar presentes de Natal.
Para piorar, Miranda é ingrata, rude, mimada e não aceita que os seus empregados, especialmente os seus assistentes, cometam erros. Por mais que odeie Miranda, Andrea continua a fazer o seu trabalho, aguentando na esperança de que um emprego no The New Yorker esteja só a meses de distância.
Andrea Sachs é a voz narrativa deste livro. Weisberger exibe esta heroína como quem exibe uma imitação barata de uns sapatos Manolo Blanhik, impingindo um retrato irrealista de uma pessoa que é de tal modo boa, simpática e ingénua, que os leitores sentem-se enganados. A autora quer à viva força que simpatizemos com esta heroína desinteressante e limitada. É suposto nós, leitores, rirmo-nos ou sentirmos pena dela? Ninguém sabe e, aparentemente nem interessa.
Esta personagem é demasiado amarga e sarcástica para ser afectuosa e amável! Aliás, tem um tal complexo de superioridade e é tão snob como as pessoas que acusa de o serem!
Esta incoerência de carácter é quase suficiente para nos levar a simpatizar e a adorar o próprio diabo, por isso, nós leitores, não nos importamos que o Anticristo da Runway e o seu séquito de fashionistas servis, que vivem de cigarros, coca-cola diet e saladas dispam vilmente a nova assistente das suas pretensões.
Esta personagem é de tal modo pobre e limitada, que me surpreende que seja ela a narradora para traçar esta negra e diabólica visão da moda, visto que não o faz de uma forma realista.
A sua colega de trabalho Emily é uma personagem muito mais interessante, que capta o mundo através do seu síndroma de Estocolmo, identificando-se com o seu captor e acreditando que Miranda é uma grande mulher que lhe está a proporcionar a oportunidade da sua vida. Os acontecimentos do livro vistos sob esta perspectiva narrativa, captando a lealdade cega que as pessoas prestam às empresas para quem trabalham, transformando as suas vidas pessoais e as suas pessoas em nada, seriam muito mais interessantes.
No entanto, de um modo geral, as personagens não evoluem, permanecendo num nível muito plástico de futilidade e bi-dimensionalidade. Aliás, Alex, o namorado virtuoso e perfeito de Andrea, supostamente representa o mundo real, comparativamente a este mundo da Runway!
Em contrapartida, a personagem de Miranda Priestly é deliciosamente diabólica e irrealista. As semelhanças demasiado óbvias com Anna Wintour – o sotaque inglês, o tamanho da roupa, a dificuldade em memorizar nomes e a sua forte influência sobre o mundo da moda – tornam este livro uma sátira, quase um ataque pessoal, à toda poderosa editora da Vogue.
O facto de Weisberger já ter trabalhado nesta revista feminina como assistente de Anna Wintour não abona em favor da sua criatividade, visto que os nomes das personagens foram alterados, mas as pessoas em que foram baseadas são reais. Exemplo disso é Nigel que é uma pálida imitação do incomparável André Leon Talley. Até o nome do edifício Conde Nast foi renomeado para Elias Clark, porém os nomes de estilistas como Óscar de la Renta e Tommy Hilfiger permaneceram, bem como a maior parte dos designer, fotógrafos, modelos e celebridades que povoam o firmamento da moda.
Apesar de Weisberger conseguir algumas páginas divertidas e observações perspicazes sobre o culto da aparência, a sensação de vingança pessoal permanece subtilmente impregnada em cada palavra, em cada frase.
Quando se fala de um ícone que influencia as mulheres de todo o mundo, a imparcialidade deve estar presente. A autora deveria ter abordado o outro lado: a pressão e a solidão a que este tipo de cargos está sujeito, o facto deste submundo reflectir as ideias de estilo, a fome por glamour, o culto da aparência pelos quais todos nós, simples mortais, ansiamos.
Aliás, está implícita em todo o livro uma dualidade flagrante, em que se parece adorar este estilo de vida, ao mesmo tempo que o critica, deixando cair deliberadamente etiquetas e preços, fingindo desconsideração.
Além disso, ao concentrar todo o livro no comportamento de Miranda, desperdiça uma oportunidade única. Um submundo com tanto potencial cómico reduzido a um encontro de vedetas alcoolizadas pela fama e dinheiro.
Weisberger dedica dois terços do romance ao facto de Miranda ser uma cabra, com um comportamento de tal modo imprevisível, que vai deixando o leitor na expectativa do que fará ela a seguir. Esta técnica não é suficiente para dar ritmo à narrativa, pois esta torna-se entorpecida pela constante descrição do rotineiro dia-a-dia de Andrea. Além disso, a voz narrativa esmorece, tornando-se monótona e repetitiva, abordando sempre o mesmo: a superficialidade do mundo da moda, a falta de tempo de Andrea para a família, etc.
Após 360 páginas, os leitores cansam-se da rudeza hedionda de Miranda e do facto de Andrea ignorar o namorado e a sua melhor amiga.
Penso que Weisberger faz um excelente trabalho ao capturar o cosmos da revista, em que a cafetaria, por exemplo, parece uma clínica de disfunções alimentares, porém alguns elementos incoerentes tornam este romance impróprio para leitura: o facto de repentinamente, ser-se magra e alta ser a chave para a intriga do romance; o facto de Weisberger não permitir à sua personagem vingar-se de Miranda (ao receber uma foto comprometedora, rasga-a); o fim convencional.
Na sua simplicidade não está assim tão bem escrito, nem é assim tão divertido como querem fazer crer aos leitores, porque a popularidade nem sempre é garantia de qualidade.
Aliás, este livro torna-se uma viagem penosa, longa e cansativa num para de sapatos demasiado altos e apertados.
Alexandra Gomes