José Rodrigues dos Santos traça-nos um ilustre repertório de factos e acontecimentos relativos à participação portuguesa na 1.ª Guerra Mundial, sob a égide de uma grande paixão em tempo de guerra. Seiscentas páginas de pura homenagem a soldados que, ao lado do oficial do exército português – capitão Afonso Brandão –, lutaram nas trincheiras da Flandres.
A Filha do Capitão faz antever um romance marcadamente descritivo, mas ao contrário d’ O Codex 632, a narrativa articula-se com a descrição de uma forma equilibrada e realista.
O capitão Afonso Brandão é a figura central do romance, filho de gente humilde e nascido nas cercanias de Rio Maior, num meio pobre e rural, que teve a oportunidade que muitos da sua geração e do seu meio não tiveram: estudou para padre, apesar de mais tarde ter sido expulso, seguindo os estudos e preparação para oficial do Exército, carreira que se revelou mais positiva para Afonso do que a da batina.
Enquanto esta personagem nos é apresentada, o leitor vive e respira o Portugal de finais do século XIX e princípios do século XX, desde a ruralidade e pobreza do interior marcadas pela forte influência da religião católica, aos novos acontecimentos que Lisboa vê surgir como o primeiro automóvel, o primeiro cinematógrafo ou, a equipa de futebol que nasceu numa farmácia: o Sport Lisboa e Benfica.
A vida de Afonso Brandão irá mudar radicalmente à luz de um incidente em Saravejo que ganha proporções avassaladoras, tornando-se a ignição para a 1.ª Guerra Mundial.
Em poucas semanas toda a Europa se encontra dividida entre dois blocos beligerantes. Portugal juntar-se-á mais tarde aos chamados Aliados, liderados pela França e Grã-Bretanha, altura em que Afonso Brandão será chamado a participar directamente na acção, integrado no Corpo Expedicionário Português (CEP), enviado para a Flandres por um Governo sequioso de reconhecimento internacional, na sequência da traumatizante revolução republicana.
Paralelamente às vivências de Afonso, José Rodrigues dos Santos dá-nos a conhecer Agnés Chevallier que habita paragens infinitamente mais distantes para os horizontes portugueses: vive uma vida folgada, num lar feliz onde é mimada e onde lhe é dada a oportunidade de estudar medicina na Sorbonne parisiense.
Neste paralelismo estabelecido entre as personagens principais, surge um ‘Portugal profundo que contrasta com a ânsia por novas descobertas na capital lisboeta e que revela uma oposição ainda maior com o glamour vitícola da região de Bordéus, onde a infância da figura feminina decorre na humildade e na graciosidade digna de uma grande heroína, que para além de bela, possui também uma educação refinada pelas viagens à capital francesa’.
‘Dois ambientes distintos propícios a influenciar as duas personagens principais, mas que não contribuem para o afastamento uma da outra. O rol de acontecimentos históricos mistura-se por isso com a ficção romanesca, com a intriga amorosa contida pela graciosidade de um amor quase impossível que tudo suporta em tempos de guerra’.
A paixão surge sob auspícios trágicos de um Pedro e Inês, num cenário de desolação, em que um rude golpe na ofensiva aliada em La Lys, onde se encontrava a Brigada do Alto Minho dirigida por Afonso, irá separar os dois amantes.
‘É um momento anunciado desde o início da obra, pelo que não constitui surpresa. Pode-se dizer que há o antes e o depois. Sendo o primeiro, apesar de ricamente adornado e recheado, um momentum preparatório. Quanto ao depois, será melhor o leitor descobrir por si próprio’.
José Rodrigues dos Santos torna-se menos exaustivo e consequentemente menos aborrecido neste livro comparativamente a O Codex 632.
Os detalhes históricos do país, o ambiente nas trincheiras colocam-nos lado a lado com as personagens, vivendo com elas as mesmas emoções (quase!) trágico-queirosianas, porém um pouco mais rebuscadas e menos coerentes que as do génio português.
Um texto com substância histórica e rica em realismo que nos fazem render à escrita suave, agradável e envolvente deste escritor.
Alexandra Gomes
boas leituras